Quando Nietzsche chorou

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Encarapitemo-nos bem longe, talvez no pico de uma montanha, e
observemos juntos. Lá, bem ali, ao longe, vemos um homem, um homem com
uma mente inteligente e também sensível. Observemo-lo. Talvez de certa feita
tenha mirado profundamente o horror da própria existência. Talvez tenha visto
demais! Talvez deparasse com as mandíbulas devoradoras do tempo ou com sua
própria insignificância - pois não passa de uma partícula - ou com a
transitoriedade e contingência da vida. Seu temor foi cruel e terrível até o dia em
que descobriu que o desejo aplaca o medo. Por conseguinte, abrigou o desejo em
sua mente e este, um competidor implacável, logo expulsou todos os demais
pensamentos. Mas o desejo não pensa; ele anseia, ele rememora. Assim, esse
homem passou a rememorar luxuriosamente uma mulher, Bertha. Ele deixou de
olhar a distância, despendendo seu tempo rememorando milagres tais como o
modo de Bertha mover os dedos, a boca, como se despia, como falava e
gaguejava, andava e mancava. Logo, todo seu ser era consumido por tal
insignificância. Os grandes bulevares de sua mente, abertos para o trânsito de
idéias nobres, ficaram entulhados de lixo. Sua lembrança de ter outrora pensado
grandes pensamentos foi se enfraquecendo até desaparecer. Seus temores
também desapareceram. Restou apenas uma ansiedade torturante de que algo se
extraviara. Intrigado, procurou pela fonte de sua ansiedade entre o lixo de sua
mente. Assim o encontramos no momento atual, remexendo o lixo, como se este
contivesse a resposta. Chega a me pedir para remexer junto com ele! - Nietzsche
parou esperando a resposta de Breuer.